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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Um Dia De Cão - Parte #1














Uma madrugada fria de inverno marca aquele que seria o início de um Sábado de descanso para Antunes, que passara desde o dia anterior até as 4 da manhã num trabalho frenético, conseguindo terminar o projeto que lhe renderia bons frutos e quem sabe até uma promoção na multinacional em que trabalhava. Chega as 5 e pouco em casa, exausto, mas realizado por ter conseguido terminar tudo com folga de pouco mais de 1 dia em relação ao seu cronograma. Ao abrir a porta, silêncio. Todos dormem. Ao entrar no quarto, contempla por alguns instantes sua esposa ainda dormindo, profundamente, e o labrador da família dormindo no tapete ao lado da cama, próximo a ela. Torce o nariz pois não curte cachorros, ainda mais dentro do seu “sobrado triplex”, mas conforma-se já que sua mulher e seus filhos, além de gostarem muito de cães, sentem-se mais protegidos com a presença de Léco dentro de casa. Lembra-se disso, pensa e ri consigo mesmo, enquanto tira a roupa para ir dormir:

--- Proteção! O bicho hoje nem acordou quando eu entrei no quarto, como geralmente faz. Ainda bem que o condomínio aqui é bem protegido, por que se fosse contar com esse cão... – vai até a cama, deita e, antes de apagar de cansaço, afaga o rosto da esposa, que sibila suavemente em seu travesseiro. Em poucos minutos está em um sono pesado e profundo.

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Ruídos sutis de água e gargarejo fazem Antunes ir despertando suavemente. Dá aquela espreguiçada, esticando-se e tendo a impressão do colchão estar mais duro que de costume. Mantém os olhos fechados enquanto escuta os barulhos diversos, que indicam a sua esposa no banheiro. Pensa ter dormido o dia todo e já ser tarde da noite de Sábado, abrindo levemente os olhos e achando tudo muito estranho.

--- Mas que porra é essa? Estou no chão, do lado da cama! Mirian está no banheiro e não me viu cair? Não creio nisso! – Ao tentar se levantar porém, percebe o que está ocorrendo e sente um misto de surpresa, confusão e medo:

--- Meu Deus! Eu sou... eu sou... um cachorro?!? – Mas mal tem tempo de continuar os seus pensamentos, porque Mirian volta rapidamente pro quarto indo em sua direção.
--- Shhhhhhiiiii!!! Quieto rapaz!! – Repreende-o enquanto abaixa-se para acalmá-lo– Se você acordar o Antunes vai sobrar pra nós dois!

--- (falando baixinho enquanto o afaga) Léco, que é que você tem? Teve um pesadelo pra acordar assim, ganindo e latindo, foi, meu amor? Nossa, você está até tremendo! Vem, vamos lá pra cozinha, vou abrir aquela latinha especial de comida pra você esquecer esse sonho ruim. – Mirian interrompe o carinho, levanta-se e dirige-se até a porta, olhando ternamente para o cachorro. Simulando estalos nos dedos como forma de chamá-lo e sussurrando ao mesmo tempo o seu nome, vai se afastando, já acostumada com o grande labrador amarelo a seguindo até a cozinha. Nisso, um Antunes cachorro, perplexo e com a cabeça a mil por hora, ainda deitado no chão, tenta acalmar-se e analisar a situação:

--- Isso só pode ser um sonho! Eu estou no corpo do Léco!! – fica absorto por um certo tempo, tentando se acalmar,  pensativo – Bom, se isso é um sonho, vou deixar acontecer... Pra quê me preocupar? – Com essa resignação em mente, muda da água pro vinho, sentindo-se confiante na sua nova “forma” canina. Respira fundo, levanta-se e vai até o outro lado da cama, onde vê o seu eu “humano” ferrado no sono, roncando feito um porco.

--- Nossa, não é que é verdade? Eu ronco muito mesmo! – Instintivamente senta-se e coça a orelha com a pata traseira, virando em seguida a cabeça e dando uma lambida nos próprios documentos, para então cair a ficha e pensar consigo mesmo, espantado:

--- Puta merda! Lambi as minhas coisas! hmmm... então é assim que os cães fazem quando tem que coçar ali! Bom, isso é um sonho mesmo... apesar de que estou achando que está durando demais. Enfim, vamos ver o que acontece! – Antes de descer até a cozinha, levanta o focinho e observa o horário no relógio sobre o criado mudo: 8h20 da manhã.
  
    O caminho até a cozinha foi realmente muito divertido. Nunca imaginara a perspectiva das coisas pelo ângulo de Léco. Sentia-se como se estivesse num mundo novo, embora já morasse naquele sobrado a mais de 5 anos. A peripécia para descer a escada foi algo que causou um certo medo de início, mas que percebeu dominar instintivamente. “Caramba, as 4 patas são sincronizadas! Que legal!”, pensou, quando também se deu conta de que sentira um cheiro de comida logo ao sair do quarto e, ao chegar lá embaixo, vários outros cheiros, deixando-o surpreso novamente:

--- Nossa, tudo parece extremamente mais aromático e “próximo”! Tô gostando! – nem se toca que agora tem uma cauda, que abana alegremente, fazendo Mirian ficar mais contente ao observá-lo enquanto chega na cozinha.

--- Meu amor, você não quis descer junto com a mamãe não? Ficou mais um pouquinho deitado foi? – Mirian fala com aquela voz lânguida e melosa que todo dono faz pro seu cão e o afaga, enquanto Antunes, em sua concepção, dá gargalhadas ao escutar sua esposa falando com ele dessa forma. Para ela, um cão que não para de latir enquanto abana a cauda é sinal de fome e alegria. Ela vai até o balcão da cozinha e pega uma lata já aberta e com uma colher dentro, sorri para o cão e vai em direção a área de serviço ao lado da cozinha, sendo seguida pelo seu companheiro peludo. Uma tigela grande, vermelha e vazia jaz ao lado de outra um pouco maior azul, cheia de água. Mirian pega-a e despeja o conteúdo da lata, colocando por cima um pouco de ração seca, que complementa de um saco que está em cima do balcão próximo. Mistura tudo com a colher e coloca de volta no chão, junto à vasilha de água. Antunes para de latir, senta de frente pras vasilhas e as encara.

--- Putz, isso tá com uma aparência esquisita... – sua barriga ronca –  mas apetitosa! – E sem pensar duas vezes enfia o focinho sem cerimônia e pudores, já acostumado com a sua situação, e manda ver no conteúdo da vasilha. Mirian contente se afasta para ir tomar o seu café mas não deixa de soltar um comentário típico antes de ir: “Isso mesmo, pape! Pape tudo bonitinho!”. Uma tossida e novos latidos:

--- Mirian, não me faça rir novamente senão eu mordo a sua perna! – E volta ao prato. Miriam retruca:

--- Que foi bebê, se afogou foi? Não coma tão depressa! – Ele escuta e segura o riso, continuando a comer, enquanto ela já está pegando o café recém passado da cafeteira. Antunes fica tão absorto que só repara que as crianças estão na cozinha ao terminar de comer.

[... continua.]

Por: Rodrigo "Razor" Lanzarini.

2 comentários:

  1. kkkkkk...me senti a Mirian!!! Inclusive no jeito de falar com o cão!
    A descrição da perspectiva de como é visto o mundo e a sincronia das patas do cão, ótimas!

    Merieri

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  2. Humano se transformando em cachorro? Parece um roteiro de Sessão da Tarde... Me prove que será interessante!

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